Bioshock

Hoje em dia é difícil fazer um jogo com uma cena realmente épica. E é difícil porque é fácil. Não entendeu? Bem, veja God of War por exemplo, com todo aquele balé sincronizado de lâminas que Kratos usa para lutar contra deuses e monstros gigantes. Dez anos atrás, qualquer um que tentasse colocar isso em um jogo ia acabar tendo um colapso nervoso e entrando em um coma por causa do estresse. Hoje em dia, com programas como o Unreal Engine 3, fazer essas cenas ficou extremamente mais simples (não que tenha subitamente ficado fácil, eu sou um aspirante a game designer, já experimentei o Unreal Engine 3 e conheço a criatura o suficiente para dizer que é uma looonga jornada), sendo só uma questão de saber modelar e animar os personagens de forma convincente.

Só que o problema é que, sendo tão fácil assim fazer cenas épicas, elas estão perdendo o efeito. Se você jogou Shadow of the Colossus na época em que foi lançado, deve se lembrar da sensação que se tinha ao ver aquelas criaturas gigantes e descobrir que ia ter de derrubá-las sozinho. Hoje em dia, monstros do tamanho de prédios são algo tão comum que não nos impressiona mais, valendo no máximo um comentário breve como “hum, esse dragão do tamanho do Empire State é legalzinho”.

Então, como resolver esse problema? Bem, a principal solução para resolver a falta de momentos de tirar o fôlego é expandir fronteiras, experimentar situações que ninguém nunca tenha usado antes. E, embora o foco desta análise não seja só a introdução, mas sim o jogo inteiro, Bioshock conseguiu fazer isso perfeitamente, resultando no que eu considero a melhor cena de introdução de video-game da história. E história, aliás, é o outro grande forte dele.

É claro que existem outras coisas além da introdução, mas  na minha opinião ela merece uma atenção especial. Daqui a pouco eu volto a falar disso. Bioshock se passa na cidade submarina fictícia de Rapture, localizada no fundo do Oceano Atlântico, cosntruída pelo visionário Andrew Ryan que, cansado das restrições capitalistas do mundo, resolveu criar uma cidade utópica, onde cada homem seria recompensado de acordo com o suor do seu trabalho. Mas como esse tipo de coisa não seria muito empolgante para um jogo, inevitavelmente o sistema falha, a cidade descende à anarquia vira um lugar de assassinatos, crimes e corrupção, transformando a utopia em distopia.

Foi realmente difícil achar uma imagem que retratasse bem uma Rapture degradada, então é melhor vocês gostarem dessa, para seus próprios bens.

O jogador controla Jack, um homem que vai parar em Rapture depois de um acidente (uma cena de introdução que estou apresentando aos poucos) e quer descobrir uma maneira de escapar do lugar. Para isso, ele precisa usar as armas desenvolvidas na própria cidade, chamadas Plasmids, substâncias que reprogramam o código genético para dar poderes paranormais, como soltar fogo pelas mãos, levitar objetos com a força da mente, congelar pessoas e praticamente todos os poderes dos X-Men que você conseguir imaginar. Além, é claro, de armas comuns como pistolas, shotguns, etc.

O interessante de Rapture é realmente entender a história completa da cidade, o processo pelo qual ela entrou em decadência. Depois de usar Plasmids em excesso, o ADAM (matéria prima para os Plasmids) acabou modificando as pessoas a tal ponto que elas perderam todos os traços de humanidade, se tornando criaturas extremamente violentas e desprovidas de qualquer sentimento além de raiva e ódio, criaturas essas conhecidas como Splicers.

"Raawr"!

Com o aumento do uso de ADAM, foi necessário acelerar a produção do mesmo. Originalmente, ele vinha de uma lesma marinha, e era cultivado no estômago de garotinhas conhecidas como Little Sisters. Mas, para conseguir o ADAM que estava em falta, as Little Sisters acabaram recebendo uma lavagem cerebral para quererem drenar o ADAM dos corpos dos mortos. Como todos os outros Splicers queriam o ADAM, foram criados os Big Daddies, uma espécie de guarda-costas para as Little Sisters.

Eles são a coisa mais legal no mundo do jogo.

E é nessa Rapture que Jack vai parar. Um lugar onde alguns litros de ADAM valem mais do que várias vidas humanas, onde todos querem ser poderosos, onde não há sentimentos além de raiva e ganância, uma versão destruída do que originalmente deveria ser o paraíso.

Sei que demorei um pouco demais falando da história, mas é preciso entender o mundo de Bioshock para entender o quanto o jogo é grandioso. E sem explicar a história básica (sim, essa é a história básica, tem muitas outras coisas que não vou contar para não estragar o suspense), eu não conseguiria definir o quão incrível é a introdução. Provavelmente a melhor parte é o fato dela ser interativa. A maioria das cenas iniciais de video-games te obriga a assistir a filmes contando a história do mundo do jogo. Isso pode até dar uma boa idéia dos fatos, mas os jogos são uma mídia interativa, então a falta de interatividade quebra um pouco a experiência.

Mas isso não acontece em Bioshock. A partir do momento em que acontece o acidente de avião, você já está controlando Jack. Você o controla ao nadar pelos restos em chamas do avião até um farol, entrar em uma batisfera, e entrar em Rapture enquanto escuta uma gravação da voz de Andrew Ryan. Isso tudo poderia ser feito em uma cena não interativa, mas a presença de controle sobre as ações faz com que a experiência fique mais intensa.

Além disso, a maneira como Rapture é apresentada pela primeira vez é de dar arrepios. Você vê aquela cidade majestosa, adormecida no fundo do oceano, e começa a imaginar como deve ser incrível morar ali. Então você desembarca da batisfera e acaba descobrindo que aquilo é pior do que o acidente de avião do qual você acabou de escapar. Simplesmente é um momento dramático executado com perfeição.

Eu vou colocar a cena em vídeo aqui para quem estiver muito curioso, mas eu recomendo fortemente que você segure essa tentação e espere para ver Rapture pela primeira vez jogando. Acredite, você não vai se arrepender. Mas se você realmente prefere descobrir agora, sem o fator interatividade, vá em frente:

Os gráficos do jogo são extremamente belos (o que não é nenhuma surpresa, visto que eles foram feitos com a Unreal Engine 3, mesma ferramenta de criação de Batman: Arkham Asylum, Mirror’s EdgeWolverine Uncaged e mais um monte de outros jogos), fazendo com que Rapture pareça uma cidade real, porque os desenvolvedores prestaram atenção até mesmo nos mínimos detalhes, tornando o cenário rico e detalhado. Em alguns momentos você até para de jogar só para admirar o oceano pelas janelas de vidro.

A trilha sonora também é um ponto forte, com o tema do jogo sendo “Beyond the Sea”, de Bobby Darin, uma música famosa e muito agradável de se escutar, mesmo quando você está em uma cidade submersa onde todos querem arrancar o seu couro.

A mecânica de jogo é bem feita, permitindo que você troque de armas e plasmids sem maiores complicações, mas um problema de design é o fato de que alguns plasmids são tão poderosos que acabam tornando o jogo fácil demais. Tudo que você precisa fazer para derrotar um grupo de Splicers na água, por exemplo, é dar um único choque, e todos eles caem de uma vez. Além disso, existe um grande número de lugares para ressucitar caso você seja feito em pedacinhos, e não há nenhuma penalidade nisso. Então todo aquele fator de medo que a atmosfera da cidade deveria passar é totalmente destruído pela falta de desafios. Isso sem contar uma parte realmente chata do jogo, onde você se disfarça de Big Daddy e é obrigado a escoltar uma Little Sister, protegendo ela de Splicers. Acredite, é muito irritante.

Então, tirando alguns pequenos problemas de design, Bioshock é uma obra-prima dos video-games. Nenhuma coleção de gamer está completa sem ele, e a cidade de Rapture ficará na memória dos jogadores por vários anos que estão por vir.

Frase Final: “Um homem deve ser qualificado pelo suor de seu trabalho, e por isso eu escolhi algo diferente, algo impossível… eu escolhi… RAPTURE.” – Andrew Ryan

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